terça-feira, 7 de agosto de 2012

O POEMA DO SEMELHANTE


O Deus da parecença
que nos costura em igualdade
que no papel carboniza
em sentimento
que nos pluraliza
que nos banaliza
por baixo e por dentro,
foi esse Deus que deu
destino aos meus versos,

Foi Ele quem arrancou deles,
a roupa de indivíduo
e deu-lhes outra de indivíduo
ainda maior, embora mais justa.

Me assusta e acalma
ser portadora de várias almas
de um só som comum eco
ser reverberante
espelho, semelhante
ser a boca
ser a dona da palavra sem dono
de tanto dono que tem.
Esse Deus sabe que a palavra "álguém"
é apenas o singular da palavra "multidão".
Eh mundão:
todo mundo beija
todo mundo almeja
todo mundo deseja
todo mundo chora
alguns por dentro
alguns por fora
alguém sempre chega
alguém sempre demora.

O Deus que cuida do não desperdício dos poetas
deu-me essa festa
de similitude
bateu-me no peito do meu amigo
encostou-me a ele
em atitude de versos beijos e umbigos,
extirpou de mim o exclusivo:
a solidão da bravura
a solidão do medo
a solidão da usura
a solidão da coragem
a solidão da bobagem
a solidão da virtude
a solidão da viagem
a solidão do erro
a solidão do sexo
a solidão do zelo
a solidão do nexo.

O Deus soprador de carmas
deu me de fazer parecida
Aparecida
santa
puta
criança
deu me de fazer
diferente
pra que eu provasse
da alegria
de ser igual a toda gente.

Esse Deus deu coletivo
ao meu particular
sem eu nem reclamar.
Foi Ele, o Deus da par-essência
O Deus da essência-par.

Não fosse a inteligência
da semelhança
seria só meu o meu amor
seria só minha a minha dor
bobinha e sem bonança
seria sozinha minha esperança.


* Elisa Lucinda



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